quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Inovar é sempre o diferencial

Um dos mais renomados consultores em inovação da atualidade, o americano Mark Johnson revela como a inovação permite conceber novas maneiras de crescer nos modelos de negócio


Por Rodolfo Araújo, Revista Administradores

Inovação. A palavra que virou regra na maioria das empresas de sucesso mostra que seu status de extremamente importante não é por acaso. Ela se transformou no impulsionador do desenvolvimento humano. Mas se engana quem pensa que, para inovar, basta apenas ser criativo. De acordo com o consultor e pesquisador Mark Johnson "o processo criativo não é apenas ter a ideia. O mais importante é o modo como essas ideias tomam forma através do processo de inovação".

Com uma bagagem acumulada de experiências em assessoria para centenas de empresas de diversos segmentos na área de inovação, Mark Johnson – co-fundador com Clayton Christensen da Innosight, uma consultoria de inovação estratégica que abrange vários países – explica à revista Administradores como as companhias podem prever, criar e gerenciar a inovação para alavancar seus negócios.

Às vezes aparecem inovações tão espetaculares que ninguém sabe o que fazer com elas. Você cita os MP3 players, que eram bonitos e revolucionários, mas não eram práticos porque era difícil colocar músicas neles. Como se supera essa Maldição do Inovador – que é quando você inventa algo que está muito à frente do seu tempo?

Foto: Lola Studios

"Inovar é sempre o diferencial"






Outro exemplo que eu gosto de citar nesse caso é o SegWay, que é algo incrível e com muita tecnologia embarcada, mas que não tinha foco em um mercado, não se sabia o que ele deveria realizar. Então, sua aplicação começou a definhar e ele foi relegado a armazéns e estacionamentos.

Entendo que se você é um empreendedor e tem uma ideia nova, essa confusão pode acontecer. Mas, se você é uma empresa, precisa combinar essa invenção com um profundo conhecimento sobre o mercado, sobre que tarefa o consumidor está tentando realizar. E, então, precisa adaptar sua inovação a essa necessidade não-satisfeita.

No caso do SegWay, eu procuraria um tipo de tarefa para a qual esse tipo de veículo se encaixasse perfeitamente – e que, no momento, não estava sendo atendida – em vez de simplesmente tentar vendê-lo para todo mundo. Aconteceu que, em muitos locais, surgiram restrições ao seu uso nas calçadas por medo de acidentes.

Eles deveriam ter começado buscando nichos de mercado nos quais a realização da tarefa estivesse mal atendida – como em armazéns, guias turísticos e patrulhamento. Você precisa adaptar a proposta do produto a essas necessidades. Se você tem algo realmente novo, você precisa entender como isso é importante naquela tarefa.

No caso dos MP3 players, não basta dar aos usuários a possibilidade de customizar a música que querem ouvir. Tem que ser simples de usar, senão o consumo de massa não emplaca. Inovações disruptivas precisam ser simples e ir adicionando funcionalidades com o tempo. Focar em um nicho e entender sua importância naquelas tarefas, manter a simplicidade nesse mercado inicial e trabalhar o seu crescimento dali para cima.

Com o SegWay, não houve pesquisa de mercado. Eles não sabiam que tarefa as pessoas "contratariam" o produto para realizar. Nem sempre você tem uma oportunidade e sai procurando a tecnologia para encaixar. Às vezes você inventa a tecnologia, como o avião híbrido¹ e simplesmente não sabe o que fazer com isso.

Você serviu na Marinha no início da sua carreira. Como você lida com a inovação em organizações nas quais tudo parece ser tão rígido e controlado por hierarquias e burocracia? Como fazer a inovação brotar em tais ambientes?

É interessante porque, quando você pensa em uma organização, deve considerar suas finalidades principais, assim como na criação de novas operações. Essa criação apoia-se em descobrir e aprender, e isso precisa ser separado. Quando falamos em novos mercados ou novas tecnologias – seja no mundo corporativo ou de defesa – você precisa se reinventar ou acaba tornando-se uma commodity.

Entrar em novos espaços competitivos requer um novo time. Este novo time ainda faz parte da antiga organização, pois compartilha recursos, conhecimento e know-how. Então, é preciso haver colaboração. Mas o time precisa ser autônomo, pois o conjunto de regras, normas e métricas deve ser modificado para permitir o seu funcionamento. Algumas precisam ser relaxadas.

A alta gestão precisa permitir que esse novo time crie suas próprias regras, normas e métricas, apropriadas ao novo empreendimento. Então, é preciso ter um novo time de gestão, apoiado pela alta direção da empresa e que possa operar segundo suas próprias regras. Parte disso será descoberto pelo caminho, em vez de planejado antecipadamente.

Deve-se estar aberto a isso para permitir que o modelo evolua. É preciso reconhecer as diferenças entre o novo mercado e o atual. Entender que as margens não serão tão boas, mas que se pode vender mais quantidade. E que, com os custos reduzidos, o lucro não precisa ser tão alto. Uma nova cadeia de valor, novos fornecedores, novos distribuidores. Muda-se a operação e a forma de ganhar dinheiro.

Mas isso também vale para empresas sem fins lucrativos ou do governo, lembrando que nesses casos não há coisas como spin-offs?

Sabe, nos Estados Unidos nós tivemos esse tipo de movimento. Tínhamos o Núcleo de Aviação que se transformou na Aeronáutica. Criamos as Operações Especiais para as tarefas que a organização principal não poderia fazer. Então, os militares fazem spin-offs de fato, só que tem outro nome. Mas operam de forma diferente. Então, não podem estar dentro da mesma unidade do Exército.

É preciso considerar sempre que estão realizando um tipo de trabalho diferente da organização principal. As missões são diferentes. Então, você pode fazer a analogia entre os objetivos: lucro ou missões. Os Rangers (tropa de elite do Exército americano) mostram o seu valor e satisfazem o seu cliente quando completam uma missão com sucesso.

Então, é importante, mesmo para o Exército, ter a capacidade de atuar em times de inovação, na criação de outras unidades que possam trabalhar juntas de forma diferente. Equipes com regras de combate diferentes, missões diferentes. E cabe ao líder da organização identificar que tais inovações não podem funcionar dentro da rigidez do atual modelo, e garantir que o novo grupo tenha os recursos necessários.

Voltando para as empresas, algumas delas criam produtos revolucionários para nichos específicos em países emergentes. Você acha que esses produtos farão o caminho inverso e também serão um sucesso nos mercados mais ricos?

Há um padrão para acreditar que sim. O mercado automobilístico dos Estados Unidos foi abalado pela chegada da Toyota, com o Corona, que era um carro simples e de baixo custo. Embora os americanos dissessem que gostavam de automóveis grandes e sofisticados, a Toyota encontrou um mercado que efetivamente tinha interesse na sua proposta.

Então, a partir desse mercado, a Toyota foi subindo: do Corona veio o Corolla, depois o Lexus e assim por diante, até o mercado de luxo. Depois, veio a coreana Hyundai e repetiu o processo com a própria Toyota. E, agora, os chineses estão trazendo o Cherry e a Tata vem com o Nano.

Mas o Nano será um problema na Índia porque eles pretendem substituir as scooters. Só que lá eles não têm ruas asfaltadas. É tudo muito esburacado e, em breve, não haverá onde estacionar os carros. Então, é bem provável que eles venham para o Brasil, para a China, a Indonésia e, depois, para os Estados Unidos.

Em um artigo recente, você escreveu que "ter uma mente aberta talvez seja o bem mais valioso que alguém pode trazer para um mercado emergente". Você falou bastante sobre pesquisa, sobre estar aberto a novas ideias. O que mais é importante para ser um grande inovador?

Quando você está criando coisas novas, transformando mercados – além de ter a mente aberta – você precisa ser ousado, ter uma visão ambiciosa. Você também precisa pensar de forma holística. Tem que ter uma visão sistêmica dos negócios. Veja o que Shai Agassi² fez em Israel. Ele não apenas pensou na tecnologia da bateria para os automóveis, mas precisou pensar em toda a rede de trocas, no software que indicava ao motorista aonde ele deveria ir.

Ele transpôs o problema da autonomia do carro com uma solução que não envolvia apenas a bateria. E, como o "combustível" era mais barato – permitindo uma margem melhor – ele poderia subsidiar a compra dos carros para atrair outro público, de menor renda. Isso só pode ser feito se ele pensar em diferentes maneiras de ganhar dinheiro. Não é só uma questão de pensar no modelo de negócio ou na tecnologia. Ele precisou falar com o governo, mudar algumas políticas.

Outro exemplo interessante que eu costumo citar é o de Thomas Edison. Ele não inventou apenas a lâmpada. Ele criou todo um sistema de transmissão, geradores e tudo o mais. Ele também fez análises de custo para perceber que precisava usar menos cobre nas lâmpadas para baratear o produto. Mas isso significava usar uma voltagem mais alta. Isso é raciocínio sistêmico.

Você não pode pensar nos componentes isoladamente. Você precisa pensar de forma integrada, assim como o Steve Jobs fez ao perceber que o problema dos MP3 players estava na forma como se comprava as músicas.

E o raciocínio sistêmico é uma característica comum hoje em dia? Quando as pessoas levam suas ideias para você na Innosight, o pensamento holístico vem junto?

Não muito. Está um pouco melhor do que antes de a bolha de 1999 estourar. Hoje os investidores já dizem: "Olha, não vamos lhe financiar enquanto você não me mostrar de onde virá o dinheiro". Mas continua sendo muito difícil para as pessoas estruturar a parte financeira de uma inovação, seja um produto ou um serviço. A inovação financeira é particularmente difícil, pois as atuais regras de negócio têm uma rigidez própria.

Como se motiva as pessoas para serem criativas? Como cria um ambiente que favoreça a inovação?

Algumas pessoas são mais criativas que outras. Algumas são mais orientadas para a descoberta, outras para a execução. Ambas são necessárias. Então, as empresas precisam ter formas de identificar quem é quem porque nem todo mundo fica confortável com a ambiguidade de uma tarefa criativa, ou o pragmatismo da execução.

A outra coisa é entender que o processo criativo não é apenas ter a ideia. O mais importante é o modo como essas ideias tomam forma através do processo de inovação. Os departamentos de Marketing e Finanças avaliam a ideia para saber se é algo que não vai funcionar, ou se pode se desenvolver da maneira correta.

Vamos tomar o processo legislativo americano como exemplo. Alguém vem com uma ideia sobre uma nova lei, que será revista por seus pares. Então, vêm os pedidos de alterações, as concessões, os interesses dos lobistas. Ocorre aí que o resultado final fica completamente diferente da ideia original.

O mesmo acontece com as inovações. O pessoal de finanças pede para você aumentar a margem de lucro, o de desenvolvimento pede para que ele fique mais atrativo para os engenheiros. Através desse processo, a ideia é mudada.

Resumindo: precisamos de pessoas criativas para trazer as novas ideias; de uma estrutura independente, para que a inovação tenha um desenvolvimento mais natural; e, finalmente, de um CEO que incentive a inovação, permitindo que pessoas trabalhem nela com dedicação exclusiva, em vez de precisar ficar dividindo o seu tempo com outras obrigações.

Então, de certa forma, o objetivo é proteger as ideias inovadoras?

Sim, porque a ideia não para nela mesma. Ela é só o início. Ela evolui, se desdobra e se desenvolve. Esse processo precisa ser protegido das interferências externas. Veja o Facebook, que teve várias pessoas envolvidas no processo. Um sugeriu que se chamasse Facebook, outro que não fosse restrito a um ambiente universitário. Ele passou por muitas transformações antes de ser o Facebook. 

Fonte: Revista Administradores