domingo, 10 de julho de 2011

Valores em cheque na cultura organizacional

(Conteúdo gentilmente cedido pelo SESI – Serviço Social da Indústria)

Rose Campos, especial para o SESI

 
O conceito de cultura organizacional já está de certo modo muito bem definido no mundo corporativo. Essa cultura deriva da própria história de uma empresa ou organização e envolve os valores compartilhados, as crenças, assim como os padrões de comportamento, normas e costumes, o estilo de gerência adotado, as políticas administrativas e até mesmo a forma como a empresa está desenhada hierarquicamente.

Contudo, a cultura não se estabelece apenas por regras explícitas e descritas voluntariamente como normas dentro daquele ambiente. Nem deve se confundir com a cultura empresarial, que é muitas vezes descrita como a “Nossa Missão”, adotada como objetivo ou norteador de conduta de uma instituição.

A cultura organizacional é mais abrangente que isso e vai sendo definida por seu próprio histórico ao longo do tempo e, também, pela enraização na cultura social da qual a organização está inserida. Mas certamente essa absorção não é integral e a cultura da organização vai se delineando pela escolha de pressupostos que passam a ser adotados e a ditar o seu funcionamento.

“Os estudos mostram que as empresas têm sempre uma determinada cultura, que vai se manifestar em vários campos, e isso é o que vem primeiro”, afirma Roberto Shinyashiki, doutor em Administração e Economia pela USP. Essa cultura é expressa pelos valores com os quais se define seu modo de operar, pelas crenças e pelos valores éticos que regem o espaço organizacional. Assim, tomando um exemplo prático, se um dos valores sustentados pela cultura organizacional pressupõe que o dinheiro e a obtenção de lucro estejam acima ou venham antes do bem-estar das pessoas, é esse valor que, lá na frente, também poderá influir no clima organizacional. “Portanto, a cultura é algo que se estabelece primeiro no ambiente organizacional”, conclui ele, afirmando, ainda, que o que podemos apurar com o estudo do clima organizacional é algo que se origina num segundo plano, e que é sempre situacional, ou seja, está realacionado a um momento específico dentro do histórico organizacional. “Por isso, o trabalho de clima dentro das emrpesas encontra hoje valorização menor do que já teve no passado. Se, por exemplo, em determinada companhia as pessoas se sentem ameaçadas, ações para melhorar o clima não são eficazes, caso o que esteja determinando isso foi inscrito anteriormente, por valores adotados pela cultura organizacional.”

Shinyashiki observa que o trabalho de clima já foi muito mais valorizado nos anos 1990. Nessa época, segundo conta ele, o objetivo desses trabalhos, muitas vezes, era focado no aumento de produtividade. Hoje já se sabe que nem sempre isso funciona, especialmente se for negligenciada a análise da cultura organizacional, que também, por seu lado, não é algo alterado com tanta facilidade.

Na prática é possível encontrar empresas que procurem estabelecer normas internas muitas vezes com o objetivo tanto de definir e divulgar sua cultura organizacional entre os colaboradores quanto de tentar estabelecer um bom clima organizacional, mas nem sempre conseguem alcançar esses objetivos. Na opinião de Andrea A. Veras, do Instituto Great Place to Work, no Brasil, as normas internas precisam estar claras e formalizadas. “Mas não é esta formalização que vai conseguir sozinha estabelecer uma cultura ou uma mudança de cultura, nem tampouco será suficiente para sustentar o clima organizacional. Uma empresa é feita de pessoas, e a cultura organizacional representa as normas informais e não escritas que orientam o comportamento dos colaboradores no dia a dia. Para que essas regras sejam efetivamente validadas é fundamental que haja muita transparência na comunicação, espaço para que as pessoas possam expor seus pontos de vista, e é fundamental que exista consistência entre discurso e prática, principalmente por parte da liderança”, acredita ela.

O ranking dos “Melhores Lugares para se Trabalhar”, aferido anualmente pelo Great Place to Work, é hoje uma referência importante, que acaba notabilizando as organizações listadas. Andrea explica que nessa metodologia global, testada e validada pelo Instituto há mais de duas décadas e atualmente utilizada em 46 países, analisa-se muito mais do que apenas o clima organizacional. “Avaliamos todo o ambiente organizacional. Isso significa que analisamos a forma como o funcionário está percebendo o ambiente onde está inserido profissionalmente, com perguntas de respostas quantitativas e outras qualitativas”, explica Andrea. “Avaliamos também todo o conjunto de práticas de gestão da empresa. Desta forma, ficamos com uma base para avaliação bem sólida e consistente, e sim, muito mais objetiva”, completa.

Como ela observa, não é possível afirmar que empresas com valores mais flexíveis produzam as melhores culturas e constituam lugares melhores para se trabalhar. Afinal, se a cultura está associada a crenças, valores e comportamentos, talvez justamente por esses serem mais rígidos e consistentes é que as melhores empresas para trabalhar se mostram mais estáveis e sustentáveis. “A flexibilidade deve estar presente sim, mas na habilidade para os negócios e para cuidar das pessoas. Valorizar as pessoas, aliás, é um dos fortes valores que estas empresas têm em comum, buscando, sempre que possível, entender as peculiaridades individuais”, afirma Andrea.

Luiz Felipe Cortoni, sócio-gerente da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações, faz uma advertência: “A correlação entre cultura organizacional e clima organizacional não é automática. E a cultura organizacional, formada ao longo de sua história, forma-se, em grande parte, pala capacidade de se adaptarem as influências do ambiente externo ao ambiente organizacional”, explica. “Às vezes, há traços culturais que permanecem e outros que se transformam em função justamente dos instrumentos adaptativos dessa determinada cultura. Porém, essa não é uma decisão de gestão. O que os gestores podem fazer é reafirmar, ou conscientizar, sobre os valores básicos da cultura organizacional”, complementa.

Cortoni concorda que o clima é bem mais instável, pois está exposto a questões situacionais, momentâneas e a decisões dos gestores. Nesse sentido, define clima organizacional como algo volátil. “Não será em uma entrevista de emprego que será possível perceber a incompatibilidade entre valores pessoais e organizacionais, mas só a partir do momento em que a pessoa estiver de fato atuando em sua função.” Pode acontecer, no entanto, de se verificar a existência, por exemplo, de gestores autoritários dentro de uma cultura que seja, por princípio, mais participativa.

Shinyashiki cita um caso exatamente com essas características ocorrido dentro de um grande grupo de empresas brasileiras e que se tornou um case clássico. “Um alto executivo do grupo ficou conhecido por maltratar seus subordinados. Essa prática não se adequava aos valores cultivados pela empresa, portanto, esse comportamento não fazia parte da cultura organizacional. A partir daí só havia duas saídas: ou reeducar o funcionário e tentar mudar sua conduta ou demiti-lo.”

Em seu trabalho como consultor de empresas, Shinyashiki identificou cinco passos importantes para lidar com conflitos que eventualmente se verifiquem no ambiente organizacional:

• 1º. Traçar um diagnóstico dos valores específicos daquela cultura organizacional.

• 2º. Definir quais são os valores, ideias e estratégias atuantes nessa cultura e que talvez não seja interessante manter. Por exemplo, quando uma empresa familiar carrega o pensamento de seu antigo fundador de que não se paga nada a prazo. “Nos dias atuais é muito difícil se manter fiel a um princípio como esse, capaz até de quebrar uma empresa.”


• 3º. Escolher pessoas para trabalhar que se identifiquem com o perfil da empresa, que se identifiquem com sua cultura organizacional.
• 4º. Desenvolver o trabalho de endoimagem, a fim de difundir entre os colaboradores os valores fundamentais da empresa ou mesmo divulgar as mudanças observadas na análise da cultura organizacional.

• 5º. Instituir e dar liberdade para o trabalho do ombudsman. “O ombudsman é a pessoa que escuta todos os funcionários para verificar se os valores divulgados pela empresa estão acontecendo de fato. É importante que o ombudsman, se existir, seja uma figura realmente isenta e imbuída de poder pela empresa.”

Luiz Cortoni lembra que a heterogeneidade é um traço comum em qualquer sociedade, mas que nas organizações é importante que tal diversidade fique sob os limites de um “guarda-chuva” de valores. São esses limites que justamente definem a cultura organizacional. Com esse propósito, algumas empresas fazem um trabalho forte e permanente de alinhamento que pode inclusive mascarar a análise de clima. “Climas muito favoráveis podem sofrer a influência desse alinhamento. Certos aspectos deles traduzem a cultura organizacional, mas também é preciso tomar cuidado com possíveis distorções embutidos nessa análise.”

Para uma análise criteriosa do clima, Andrea Veras, do Great Place to Work, diz o que é importante verificar. “Nós utilizamos três dimensões para avaliar o ambiente organizacional: confiança, orgulho e camaradagem, sendo a primeira subdividida em três subdimensões.”

Os critérios são:

• Confiança (relação entre o colaborador e seu líder): os funcionários das melhores empresas falam constantemente sobre o quanto “acreditam” ou “têm confiança” em seus empregadores; ao mesmo tempo, os gestores nas melhores empresas falam como “podem contar com”, “dependem” ou “confiam” em seus funcionários. As pesquisas demonstram que esta é a mais forte das três relações, justificando subdividi-la para entender e analisar melhor. Com isso surgiram as subdimensões Credibilidade (a forma como os funcionários enxergam os seus líderes, como por exemplo, a qualidade da comunicação interna e a competência na gestão de pessoas), Respeito (reconhecimento pelo trabalho e valorização como ser humano) e Imparcialidade (garantia de tratamento a todos os funcionários com regras claras, equidade e justiça)

• Orgulho (relação entre o colaborador e o trabalho): os funcionários nas melhores empresas para trabalhar normalmente afirmam que “aqui é mais do que um emprego”. Nessa dimensão é considerado, por exemplo, se as tarefas que fazem no trabalho são entediantes ou desafiadoras, sem importância ou socialmente significativas.

• Camaradagem (relação entre o colaborador e a equipe): esta dimensão avalia a qualidade dos relacionamentos no local de trabalho, variando desde o sentimento de fazer parte de uma família ou estar entre amigos até a visão de outros funcionários como inimigos a serem vencidos.

Independentemente da forma como se avalie o clima organizacional de uma empresa e de quais sejam os valores de uma cultura organizacional, o que parece ser sempre relevante é a compatibilidade entre os valores pessoais dos colaboradores e os que perfazem a cultura organizacional. E além disso, sobretudo, que os valores que a empresa apregoa como seus sejam de fato coerentes com o que se verifica na cultura organizacional. Também que o consultor Roberto Shinyashiki alerta para a importância de se trabalhar adequadamente a endoimagem organizacional, atualizando-a sempre que necessário. A tendência é que o reconhecimento e a solução de conflitos advenham mais facilmente entre pessoas e em ambientes onde existam valores eticamente respaldados.